Os artigos de correeiro desempenharam um papel crucial na história de Portugal, especialmente na vida urbana e nas atividades militares. Estes artefatos, feitos de couro, eram essenciais para a nobreza e a burguesia, que necessitavam de equipamentos duráveis e de qualidade para cavalgar e proteger-se. Este artigo explora a evolução dos artigos de correeiro ao longo dos séculos, o papel dos correeiros nas cidades portuguesas, a clientela que serviam, as ferramentas e técnicas de fabricação, a dimensão familiar do ofício e a arte da gravura em couro.
Principais Conclusões
- Os artigos de correeiro evoluíram ao longo dos séculos, incorporando influências mudéjares e cristãs.
- Correeiros eram essenciais em cidades como Guimarães, Porto, Lisboa e Coimbra, produzindo itens como a sela gineta.
- A nobreza e a burguesia rica eram os principais clientes dos correeiros, necessitando de equipamentos de alta qualidade.
- As técnicas e ferramentas de fabricação de artigos de correeiro permaneceram quase inalteradas ao longo dos séculos.
- A arte da gravura em couro era uma especialização dentro do ofício de correeiro, com grande atenção à qualidade dos lavrados.
A Evolução dos Artigos de Correeiro ao Longo dos Séculos
Influências Mudéjares e Cristãs
Os artigos de correeiro em Portugal foram fortemente influenciados pelas culturas mudéjar e cristã. Os métodos de elaboração e apetrechos continuaram em uso no Portugal cristão, mesmo após a saída dos artífices mudéjares. Esta continuidade prova a eficiência das técnicas, seja no calçar ou no cavalgar.
Continuidade das Técnicas Tradicionais
As técnicas da correeria têm permanecido praticamente imutáveis há muitas gerações. As ferramentas para a sua manufactura, bem como a designação das diversas peças que compõem os arreios, são hoje as mesmas de há séculos atrás. Esta tradição é um testemunho da durabilidade e eficácia dos métodos antigos, que ainda são usados para criar produtos de alta qualidade.
O Papel dos Correeiros nas Cidades Portuguesas
Guimarães, Porto, Lisboa e Coimbra
Os correeiros eram figuras essenciais nas cidades medievais de Portugal. Eles pagavam impostos, trabalhavam arduamente e se organizavam em suas tendas e oficinas espalhadas pelo espaço urbano. Compreender a vida citadina portuguesa requer estudar esses artesãos, pois eles oferecem uma visão mais ampla da história, não focando apenas nos grupos dominantes, mas também nas pessoas comuns.
A Importância da Sela Gineta
A sela gineta era um dos artefatos mais importantes produzidos pelos correeiros. Cidades como Guimarães, Porto, Lisboa e Coimbra mencionavam a sela gineta e seus acessórios nas listagens de artefatos a serem produzidos. Este item era essencial para os cavaleiros, pois oferecia conforto e segurança durante a monta. A continuidade das técnicas tradicionais na fabricação desses itens mostra a eficiência e a importância dos correeiros na sociedade portuguesa.
A Clientela dos Correeiros: Nobreza e Burguesia
Os correeiros tinham uma clientela bastante diversificada, mas dois grupos se destacavam: a nobreza e a burguesia. Estes artesãos eram responsáveis por criar e manter artigos de couro que atendiam às necessidades específicas de cada grupo.
Necessidades da Nobreza
A nobreza, com seu gosto refinado e apetência pelo luxo, demandava produtos de alta qualidade e sofisticação. Desde selas ornamentadas até arreios detalhados, os correeiros precisavam garantir que cada peça fosse um reflexo do status e da riqueza de seus clientes. Esta busca pelo luxo nos cavalos e arreios era tão intensa que, em 1340, o Rei D. Afonso IV teve que regulamentar os trajes e acessórios através de uma “pragmática”.
A Burguesia Rica e os Artigos de Correeiro
A burguesia, por outro lado, estava em ascensão e buscava afirmar sua posição social através de artigos de couro bem trabalhados. Embora não fossem tão ricos quanto a nobreza, tinham uma certa autonomia econômica que lhes permitia investir em produtos de qualidade. Estes cidadãos, muitas vezes, estavam responsabilizados pela manutenção da cidade e pagavam diversos impostos, o que os colocava entre as camadas médias da sociedade. Raramente chegavam ao status de "homem bom", mas não era impossível, como no caso de Vicente Paes, um alfaiate mencionado em um contrato de Lisboa de 1244 com a denominação "bonus homo".
Ferramentas e Técnicas de Fabricação
Ferramentas Tradicionais
Os correeiros utilizavam uma variedade de ferramentas simples mas eficazes. Entre elas, destacavam-se a goiva em "v" cortante e os punções ou cinzéis não-cortantes, que vinham em duas ou três curvas diferentes. Estas ferramentas eram leves e cabiam facilmente num pequeno saco, facilitando o trabalho dos artesãos.
Processos de Fabricação Imutáveis
A fabricação de artigos de correeiro manteve-se praticamente inalterada ao longo dos séculos. Os processos tradicionais eram passados de geração em geração, garantindo a continuidade das técnicas. O artesão precisava de um vasto conhecimento sobre a matéria-prima, adaptando as suas características conforme as necessidades do trabalho.
A mestria dos correeiros é visível em cada detalhe dos seus produtos, refletindo a paciência e habilidade necessárias para criar peças únicas.
A Dimensão Familiar no Ofício de Correeiro
O ofício de correeiro é muitas vezes uma tradição familiar, passada de geração em geração. António Mesquita é um exemplo vivo desta herança, com a arte do correeiro albardeiro a correr nas veias da sua família desde o tempo do seu bisavô. Este artesão, mesmo reformado, dedica-se de corpo e alma à sua arte, perpetuando a tradição com orgulho.
Participação das Mulheres
A participação das mulheres no ofício de correeiro é significativa. Elas estão envolvidas em várias etapas da produção, desde a preparação do couro até ao acabamento final. Esta colaboração familiar é essencial para manter a qualidade e a continuidade das técnicas tradicionais.
Tradição Passada de Geração em Geração
Os negócios de família, como o de António Mesquita, mostram como a tradição pode ser mantida ao longo dos anos. Com as fibras do couro e as tramas da palha a correrem na família, estas habilidades são passadas de pais para filhos, garantindo que o conhecimento e a paixão pelo ofício não se percam com o tempo.
A Arte da Gravura em Couro
A arte da gravura em couro é uma tradição rica e detalhada que tem sido passada de geração em geração. Os correeiros especializados dedicam-se a criar peças únicas e de grande valor estético. A qualidade dos lavrados é um reflexo do cuidado e da habilidade destes artesãos.
Correeiros Especializados
Os correeiros especializados utilizam técnicas variadas para decorar o couro. Entre estas técnicas, destaca-se o suave puncionamento a frio ou com ferros aquecidos, que permite criar padrões intrincados e elegantes. Além disso, o uso de folha de ouro em alguns detalhes adiciona um toque de luxo às peças.
A Qualidade dos Lavrados
A qualidade dos lavrados é um aspecto crucial na arte da gravura em couro. Os estofos em couro lavrado, por exemplo, apresentam particularidades estéticas que os fazem integrar na arte mudéjar de linhagem omíada. Estes motivos destacam Portugal como um depósito de continuidades e adaptações de estéticas arcaicas, especialmente entre os séculos XV e XVI.
A observação das “estampas” publicadas na “Luz da Liberal e Nobre Arte da Cavallaria” ilustra o requinte dos arreios usados em ocasiões festivas. O couro das selas era coberto a seda ou veludo, bordadas a prata ou ouro, enquanto os demais arreios eram profusamente decorados com recortes e pespontos, e ainda com aplicações de pregaria e diversos ornamentos.
Conclusão
Ao longo da história, os artigos de correeiro desempenharam um papel crucial na vida quotidiana e na evolução das sociedades. Desde a proteção dos cavaleiros com as adargas até à criação de selas e outros acessórios para a nobreza e burguesia, estes artesãos mostraram-se indispensáveis. As técnicas e ferramentas utilizadas pelos correeiros mantiveram-se praticamente inalteradas ao longo dos séculos, evidenciando a sua eficácia e importância. Hoje, ao olharmos para trás, podemos apreciar a dedicação e habilidade destes profissionais que, com o seu trabalho, ajudaram a moldar a história. É essencial valorizar e preservar este ofício tradicional, reconhecendo o seu contributo inestimável para o nosso património cultural.
Perguntas Frequentes
O que é um correeiro?
Um correeiro é um artesão que faz e repara selas e outros artigos de couro, como arreios para cavalos.
Quais cidades portuguesas eram conhecidas pelos correeiros?
Cidades como Guimarães, Porto, Lisboa e Coimbra eram conhecidas pelos seus correeiros, especialmente nos séculos XVI e XVII.
Quem eram os principais clientes dos correeiros?
Os principais clientes dos correeiros eram a nobreza e a burguesia rica, que necessitavam de artigos de couro de alta qualidade para os seus cavalos.
As técnicas de correeria mudaram ao longo do tempo?
Não, as técnicas de correeria têm permanecido praticamente as mesmas ao longo dos séculos, com poucas mudanças nas ferramentas e processos de fabricação.
Qual a importância da sela gineta?
A sela gineta era um dos principais produtos fabricados pelos correeiros e era essencial para os cavaleiros, especialmente durante a Idade Média.
As mulheres participavam no ofício de correeiro?
Sim, as mulheres também participavam no ofício de correeiro, muitas vezes ajudando em várias etapas da produção e passando as técnicas de geração em geração.
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